O Guri e a Bola

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A insonia não é e nunca foi minha companheira. Minhas noites de sono transcorrem sem maiores problemas. Mas dez vez em quando, face a um problema inesperado, entrego minha cabeça ao travesseiro, com os olhos abertos, voltados para o teto. E antes que pensamentos perturbadores tomem conta da minha vigília forçada, aciono o mecanismo da memória com habilidade para que se fixe nas melhores imagens da minha infância. É um santo remédio para diminuir o peso da aflição momentânea que me impede de fechar os olhos e dormir com tranquilidade. O guri que fui dividia seu tempo entre a escola e os campinhos de futebol nas proximidades da minha casa. O guri sem camisa e sem chuteiras, e com ele a bola, de couro ou não, porque qualquer tipo de bola servia. Era uma rotina boa que eu e meus companheiros do bairro enfrentávamos com alegria incomum.Todas as tardes, com sol ou chuva, nos reuníamos para jogar futebol à nossa maneira, num campinho seco ou enlameado no qual pedras serviam para marcar a distancia entre uma trave imaginária e outra. O cansaço decorrente do esforço repetido nos fazia muito felizes e se alguém nos perguntasse se queríamos mudar de vida, acharíamos graça da pergunta inconveniente. Mudar para que, se com a bola, nossa companheira inseparável, enfrentávamos a passagem do tempo sem angústias ou queixas desnecessárias.

Quando a noite se aproximava, tomávamos banho numa sanga e voltávamos para nossas casas, onde um lanche caseiro prontos para mergulhar num sono gratificante. Mais tarde, já crescido, vesti a camisa vermelha e branca do meu Grêmio Santanense, como integrante das categorias de base e dos aspirantes. No momento em que relembro tudo isso, sinto um pouco de tristeza por constatar que o comportamento de muitos adolescentes de hoje é muito diferente dos meus anos felizes em Santana do Livramento. Eles já não dispõem de espaços para conviver todos os dias com uma bola gasta pelo excesso de uso. Em compensação dizem palavrões sem respeitar ninguém e muitas vezes deixam que traficantes se aproximem deles, perto de suas escolas, para lhes oferecer drogas malditas. E quando estão em casa se divertem com jogos eletrônicos nos quais as guerras e as mortes são ofertas fáceis de multinacionais sedentas de lucros. Minha vontade não vai mudar nada, mas ao menos posso sonhar, já dormindo, com a volta de um tempo parecido com o meu, de guri sem vícios e cheio de saúde, quando a bola era, principalmente nos subúrbios, uma fruta tão apetitosa como o pêssego e a tangerina.

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2 Comments

  1. João Garcia
    2 de março de 2016 at 09:07

    lindo texto irmão!

  2. Haier reloj inteligente
    8 de março de 2016 at 02:17

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