A quitandeira e o não ao marxismo

Facebook Twitter Google+ LinkedIn WhatsApp

Nos idos de 1975, estudava no Liceu de Leiria, em Portugal.

Há na cidade um castelo medieval, mandado edificar pelo primeiro rei Portucalense, D. Afonso Henriques, para defesa do território nas guerras com os mouros.

O país, vivia a revolução dos cravos, cujos efeitos imediatos e mais visíveis, foi ter lançado as antigas colônias em guerras civis que antepunham marxistas e antimarxistas. O reflexo imediato foi o deslocamento de milhares de cidadãos para Portugal, pois, Nacionais*

Com minha família não foi diferente.

Tendo assistido ao início da guerra em Luanda, capital de Angola, evidentemente não poderia pactuar com aquele clima pseudorrevolucionário de Portugal, pois, sentira e sentia o porvir se aqueles revolucionários assumissem o controle do país. Enfim do alto dos meus 17 anos, de esquerda é que não poderia ser.

De qualquer sorte estava integrado sem maiores problemas, até chefe da turma (líder de turma), havia sido escolhido, derrotando candidatos de militância partidária para mim uma honra, pois, num liceu dominado pelos alunos do PCP e outros movimentos marxistas e maoistas, eu antirrevolucionário, sequer nascido em Portugal, vindo de Angola, ganhar democraticamente daquela gente me sinalizava que havia esperança e talvez Portugal nunca fosse marxista, o que de fato ocorreu.

Dos refugiados de Angola, aos milhares, os que não tinham apoios familiares ou condições, foram colocados em locais provisoriamente, até se organizarem ou escolherem para onde ir.

O castelo de Leiria recebeu algumas centenas de refugiados.

Eram denominados de retornados. Muitos sequer haviam nascido em Portugal, razão pela qual recebiam esse rótulo como ofensa, humilhação.

No Liceu foi iniciada uma campanha para levantamento de donativos a serem levados aos retornados.

Evidentemente que os estudantes vindos de Angola e Moçambique, minoria mas mais ativos e menos vulneráveis às lavagens cerebrais pró marxistas, integrados aos demais colegas, pois, justiça seja feita, não é da índole portuguesa, a segregação o conflito, conseguiram mobilizar a cidade e para conforto de nossas almas, todo o mundo se empenhou e os donativos foram levantados além do previsto e os colegas marxistas, socialistas e maoistas se empenharam em demonstrar que eram solidários com os refugiados, para eles retornados.

As intermináveis reuniões e comícios no liceu abriam um espaço fantástico para os debates revolucionários e contrarrevolucionários, sempre respeitosos.

*pelo fato de haverem nascido em data anterior à indecência era por direito portugueses

Tínhamos no castelo a prova que a revolução não era boa, afinal ali estavam pessoas simples despidas de orgulhos, que haviam perdido familiares, haveres para cubanos e guerrilheiros comunistas, racistas, improdutivos que ocuparam suas casas, tomaram seus pertences etc. Etc. No nosso sentir de adolescentes batíamos numa tecla irrefutável; Como uma revolução de cravos tinha gerado dor, sangue, dramas indescritíveis. O certo é que os comícios acabavam sem vencidos ou vencedores, mas a campanha de donativos se fortalecia e saiamos do liceu sem rancores, direto para os cafés ou tabernas.

Chegado o dia de serem levados os donativos ao castelo, fui convidado a acompanhar a entrega dos mesmos. Confesso que fui para não fazer feio, afinal havia batalhado tanto, mas com apreensão, pois, aquelas pessoas eram para mim gente minha, de Angola, vítimas dos comunistas como eu, apenas sem a sorte de terem família ou posses para não passarem por tal situação, viver num campo de refugiados, depender de esmola. As evasivas para me desobrigar não surtiram efeito, pois, vários colegas me diziam, que haviam palmilhado a cidade por mim, sensibilizados pelo meu antissocialismo, marxismo etc. Etc.que eles não eram nada de mau, blá, blá. O fato é que nós os de Angola e Moçambique não tivemos como não ir, mas com muito desconforto.

Entregues os donativos na secretaria do castelo, fomos levados a conversar com os refugiados “retornados”. Quietinho, não querendo me evidenciar, escondido no meio do grupo, pois, via nos rostos a dor e a tristeza de pessoas que foram arrancadas de casa sem culpas de nada por causa de homens sem honra.

Ao mesmo tempo as pessoas estavam gratas porque aqueles meninos e meninas tinham coração, haviam pedido para eles, por eles. Faziam questão de contar parte dos dramas e horrores até terem chegado ali. Ouvia silencioso. tudo batia em mim como açoite, vinham à minha mente os sons de tiros, bombas, choros e gritos de pânico que ouvira também lembrando-me o tanto que eu já vivera, e só tinha 17 anos. Refletia para sublimar o quanto eu era privilegiado em não estar naquela situação, refugiado num castelo medieval que ajudara a alargar as fronteiras e forjar a honra e história de um país, reduzido a refugio de despojados do país sem honra que os largara à sorte daqueles comunistas safados.

Lá estava eu absorto e ansioso para que terminasse aquela situação e pudesse ir para casa ou para longe dali.. Aos gritos e aos prantos uma mulher embrulhada nos panos típicos de Angola saiu do meio de um grupo e correu para me abraçar. Era Maria uma quitandeira que passava na nossa porta em Luanda a vender laranjas.

Todo o nosso grupo do Liceu ficou atônito, com o inusitado. Maria era uma quitandeira, típica Angolana do interior, que criava os filhos a vender frutas de porta em porta.

O bairro onde morava, fora invadido pelos comunistas do MPLA. Um filho dela adolescente fora fuzilado porque flagrado com um botton da FNLA e ela expulsa com os demais pequenos, porque pensava como branco.

Fugira para Portugal na ponte aérea com os filhos e ia querer trabalhar de quitandeira ou lavadeira para criar os filhos longe dos comunistas.

Resta dizer que junto aos meus familiares e outros amigos da família, se conseguiu tirar Maria do Castelo e instalar a mesma numa casa em Leiria, onde retomou a vida.

A mim restou a lição que onde há o espírito empreendedor e solidariedade, o comunismo ou socialismo e outros ismos que se aproveitam do trabalho e boa fé das pessoas para lhe solapar a liberdade, não se perpetuam.

Leave a Reply