Ruínas expostas. E caminhos necessários | Por Germano Rigotto

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Os últimos dias tiveram tantos episódios, e de tal modo intensos, que fica difícil escolher um ângulo de abordagem. Além disso, tudo leva a crer que, nas próximas semanas, ainda teremos mares muito revoltos pela frente. A menos que se interprete com precipitação, o que costumam fazer apenas os partidaristas mais radicais, não é possível sair distribuindo sentenças definitivas sobre tudo o que está ocorrendo. São muitos interesses, informações, atores, fatos, boatos, idas e vindas. São muitas circunstâncias, análises e possibilidades. De qualquer modo, há certezas que já ficaram bastante expostas.

Uma delas – a mais evidente – é a completa ruína do sistema partidário e eleitoral do Brasil. Não é mais possível que um governo se eleja de maneira totalmente dissociada do pleito parlamentar, tendo que compor a maioria depois, por um processo sem legitimação das urnas. Quem não tem maioria, não governa. E acabam usando o fisiologismo para atalhar essa construção. Embora não se justifique qualquer malfeito, o modelo existente induz a esse jogo de toma-lá-dá-cá. O que acontece é que se exorbitou qualquer propósito de razoabilidade e republicanismo nos últimos anos, transformando a relação entre Executivo e Legislativo num verdadeiro balcão de negócios.

Qualquer presidente que vier a ser eleito dentro desse regramento, portanto, terá enormes dificuldades de governabilidade. Há uma dissociação entre a vontade das ruas e o entendimento da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Ademais, as duas casas não têm nada que as implique diretamente com o governo, e vice-versa. A reprovação popular é apenas um dado da realidade política, existindo apenas a eleição, a cada quatro anos, como ferramenta mais efetiva de controle social. Não há interdependência verdadeira de poderes, o que atrapalha sobremaneira a fluência democrática do país. Trata-se de um sistema que afasta os eleitores dos eleitos, gera uma crise a cada quatro anos e só permite substituições por meio de mecanismos drásticos, como o impeachment.

O financiamento eleitoral foi outra tremenda contradição, que levou à atual instabilidade. Muitas vezes era um faz-de-conta constrangedor, favorecendo o poder econômico a cada eleição. Incluo ainda aberrações como o foro privilegiado, cuja interpretação precisa ser mais reducionista – cabível apenas para os crimes de opinião ou para aqueles estritamente atinentes ao livre exercício livre do cargo público. O instituto da reeleição, de igual modo, já se mostrou um fracasso rotundo para a política nacional, tendendo a gerar aparelhamento da administração e corrupção. Para incluir mais um elemento de análise: os partidos perderam qualquer significação social. Não querem dizer absolutamente nada na cabeça das pessoas, suas opiniões pouco importam – é a dura realidade.

Tudo isso ruiu. Ruiu sem chance de renascer. Ruiu sem qualquer condição de arrumação por meio de analgésicos ou perfumarias. Porque quando a credibilidade nas instituições fraqueja, não se pode mais adotar soluções paliativas. É preciso uma cirurgia profunda, transformadora e urgente no regramento político e eleitoral do país. Durante toda minha trajetória, defendi de maneira contumaz as reformas estruturais. Agora, creio, seja mais adequado falar de reformas de salvação. A demora ou o fraquejo em fazê-las pode aumentar perigosamente o clima de desordem social, com reflexos na economia e até mesmo na segurança pública.

A Lava-Jato foi um acontecimento marcante da democracia brasileira. Quebrou paradigmas de investigação, invadiu corajosamente redomas do poder e mostrou que a independência dos órgãos de fiscalização e controle faz bem ao país. O processo de depuração da política, tão necessário, ganhou contornos reais graças às revelações que ocorreram. Todavia, assim como toda a novidade, a operação também está sendo questionada em muitos aspectos, e precisará de aprimoramento. Mas frise-se: o fato de questioná-la, aqui ou acolá, não significa ser contrário a ela. É sempre preciso esclarecer isso, pois, em tempos de tanto radicalismo, até mesmo as ponderações acabam taxadas de maneira duvidosa.

Não é possível – e aí entro em outra conclusão sobre tudo o que está ocorrendo – que o corruptor, mesmo que tenha feito uma delação, se beneficie do sistema corrompido. Diferentemente do que ocorreu em outras delações, a liberação dos donos da JBS, que pagaram uma multa irrisória na proporção de seus patrimônios e gozam de liberdade nos Estados Unidos, está revoltando o país. E tamanha indignação não é sem razão. Isso sem falar na escandalosa especulação que fizeram no mercado de ações, se antecipando e lucrando com o efeito de suas próprias atitudes. Isso, definitivamente, não é razoável e tampouco correto – independente das outras culpas existentes. Precisa ser revisto.

Enfim, esses são alguns aspectos plausíveis de análise até aqui. Tem ainda muita coisa acontecendo. Pena que tamanho turbilhão tenha ocorrido num momento em que a economia dava seus primeiros sinais consistentes de melhora, com queda de juros, aumento na taxa de empregabilidade e leve retomada do crescimento. O governo Temer, antes já carente de aprovação popular ao mesmo tempo em que era soberano no apoio parlamentar, agora estará em risco também nesse segundo aspecto. Os primeiros dias de julho deixarão mais claros os rumos que o país tomará, a partir da capacidade de resiliência do presidente e de seus aliados – e de tudo o que ainda pode acontecer.

Seja a manutenção do governo, o impeachment, a cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral ou a renúncia, nenhuma direção aponta para a calmaria. Está aumentando o espaço para conspirações e alternativas que, muitas delas, trazem preocupação em relação as consequências sobre o futuro do país. O Congresso Nacional, se couber a ele a tarefa de escolher o novo presidente, como prevê a Constituição Federal, o fará sem credibilidade popular. Será fortemente contestado. E a proposta de eleições diretas é esdrúxula, uma vez que inconstitucional. O pior, não se vê um líder apto para a navegação no caos, com o meio político mais doente do que alguém pudesse imaginar.

Diante de tantas dúvidas, é desejável que ao menos ocorra um aprendizado com as ruínas que estão diante dos nossos olhos – e se refaça nosso sistema partidário e eleitoral. E que a liberdade dos métodos investigatórios não seja maior do que a necessidade de efetivamente punir quem delinquiu. São caminhos necessários para começar a reconstruir a normalidade e a credibilidade das instituições brasileiras.

Ex-governador do Rio Grande Sul, presidente do Instituto Reformar de Estudos Políticos e Tributários e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (www.germanorigotto.com.br)

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