A prática do nosso modelo político mostra que o Congresso Nacional, sem o protagonismo do Palácio do Planalto, não consegue ter efetividade de pauta e ativismo. O presidencialismo de coalizão conduz a direção política ao Poder Executivo, que exerce forte influência sobre o Legislativo. Normalmente é a presidência da República, acionando a liderança do governo e dos partidos, que organiza os grandes temas em discussão nas duas casas. Mesmo contraditória, essa é a realidade.
Então, quando a presidência da República tem dificuldade de comando e articulação, o trabalho de deputados e senadores tende a tangenciar as questões centrais da nação. Já quando o Congresso enfrenta uma crise de comando, a repercussão não é tão grande como no caso anterior. Mesmo assim, é perceptível e gera efeitos no cotidiano da política.
O Brasil, nos últimos meses, viveu cumulativamente as duas situações. De um lado da Praça do Três Poderes, uma presidente sem capacidade para reagir à crise econômica do país e à crise ética de seu próprio governo. Do outro lado, um presidente da Câmara dos Deputados inundado em acusações de propinas, desvios e escândalos de corrupção de diversas espécies. Um homem que, apoiado por muitos parlamentares, comandava o regimento ao seu alvitre, de modo a proteger seus interesses. Deu de ombros para a opinião pública.
Dilma Rousseff e Eduardo Cunha têm perfis completamente diferentes. Suas histórias de vida e compromissos não são similares. A presidente afastada, mesmo que se discorde dela, não tem contra si acusações diretas de corrupção. Esse já não é o caso de Cunha. Mas, mesmo que tenha sido por motivos diferentes, os poderes comandados por eles entraram numa grande paralisia. Em colapso, eu diria. O Planalto parou de articular e de propor. A Câmara parou de debater e de legislar. O Brasil, portanto, também parou. Não tinha como ser diferente.
Michel Temer e Rodrigo Maia agora têm a missão não apenas de ter ativismo, mas de acertar nas atitudes que adotarão. O presidente da República interino, para dar a exata configuração de seu governo, terá de esperar a definição sobre sua permanência no cargo. Até lá, poderá no máximo apresentar algumas sinalizações. É improvável que sua gestão, enquanto for provisória, tenha capacidade de articular mudanças estruturais para o país. Já Maia está eleito em definitivo, depois da renúncia de Cunha. Legitimado e com bom apoio dos seus pares, mesmo que seja para um mandato de sete meses. Está com as condições políticas adequadas para exercer um papel relevante até o final do ano.
Mesmo que a eleição da nova Mesa Diretora tenha ocorrido dentro das regras, o episódio ajudou a revelar, mais uma vez, o mar de contradições do nosso modelo político. Veja-se que chegamos a ter 17 candidatos a presidente, o que é fruto também do excesso de representação partidária, que chega a 28 bancadas. Isso mostra que o parlamento está longe de conseguir encontrar um ambiente minimamente propício para convergências e criação de consensos. Explicita, ainda, a falta de lideranças com capacidade de aglutinação. E deixa claro que o país precisa repensar suas regras em relação ao excesso de partidos, muitos dos quais se transformaram num verdadeiro balcão de negócios.
Mas a vitória de Rodrigo Maia, do Democratas, é boa para o governo. Mesmo não tendo um currículo tão vasto, o deputado carioca já tem boa experiência parlamentar e demonstra capacidade de liderança – tanto que já foi presidente nacional de sua sigla. O fato de ser de um partido pequeno apenas mostra que as agremiações cada vez influenciam menos seus próprios integrantes. Pesou o perfil pessoal e a composição política que se formou em torno dele.
Rodrigo Maia agora tem a tarefa de recuperar o Câmara dos Deputados, mesmo que minimamente, do forte desgaste pelo qual passou em virtude da “novela” Eduardo Cunha. Após reestabelecer o equilíbrio das relações, precisará pontuar uma agenda que priorize o ajuste fiscal, o que inclui limite de gastos do governo, renegociação da dívida dos estados, novas regras para escolha de diretores de fundos de pensão e mudanças na Previdência. Além desses, surgirão outros projetos que, certamente, o governo enviará nas próximas semanas.
Mas não basta querer. Será preciso construir cada um desses pontos. Mesmo com ampla maioria, o governo não poderá escusar-se de um diálogo com os setores que serão afetados. Terá de amealhar forças em outros segmentos, de modo a resistir às pressões e críticas que, certamente, sofrerá. O mesmo vale para o bloco de apoio no parlamento. Maia terá que provar sua liderança.
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