O ajuste fiscal é precondição para o país sair da crise. Não há escapatória sem passar por esse caminho, mesmo que muitos teorizem em sentido contrário. Mas discurso não resolverá, e sim pragmatismo e responsabilidade. A propósito, toda esta situação é fruto justamente da falta de responsabilidade na gestão econômica. Agora se impõe reorganizar a casa.
Esse processo, todavia, não pode ocorrer apenas sob a dinâmica financista, do capital. É preciso considerar a realidade do mercado e das famílias, sem paralisar o país. Compreender isso exige ir além da mera visão contábil. A linha divisória entre arrumar e arruinar é tênue; o dito popular ensina que “o remédio não pode matar o paciente”. Por isso, o momento é delicado e exige foco: técnica e política devem aliar-se de maneira virtuosa.
Há questões históricas a serem enfrentadas, especialmente em relação ao gasto público. Essa é uma tarefa que ainda não foi cumprida pelos governos. Desde o início da década de 90, nenhuma gestão reduziu a despesa primária em proporção ao PIB (Produto Interno Bruto). De 1991 a 2015, o montante passou de 10% do PIB para quase 20%. De 2007 a 2015, em termos reais, o crescimento da despesa primária do governo central (56%) foi o triplo da elevação do PIB (18%).
As causas desse quadro são difusas, mas alguns desafios são muito claros. É necessário aperfeiçoar, definitivamente, a utilização dos recursos públicos – com mais probidade e eficiência. Os programas de assistência social devem ser direcionados somente para as pessoas que realmente precisam, com maior fiscalização e caminhos para a autossuficiência individual e familiar. Também não há dúvida sobre a urgência reformar a previdência social, quebrar a rigidez do orçamento e desindexar o gasto público.
Sobre a previdência, o Congresso Nacional terá o desafio de encontrar o encaminhamento adequado para a proposta do governo. Mas há uma certeza: a sistemática atual é insustentável porque, dentre outros motivos, concede privilégios a pequenos grupos e sobrecarrega toda a sociedade. Será inevitável rever a idade mínima e reduzir as disparidades entre os diversos regimes. O objetivo maior deve ser garantir o direito do trabalhador de receber sua aposentadoria na data certa e no valor justo.
A mudança da legislação trabalhista é outra imposição do nosso tempo, em proteção ao próprio trabalho. Mais: o Brasil precisará consolidar um modelo de parcerias e concessões realista, com estabilidade legal e baixo custo para o estado e o contribuinte. A governança das estatais e dos fundos de pensão tem de passar por uma profunda modernização. E as agências reguladoras devem recuperar sua autonomia funcional, dirigidas por nomes com conhecimento técnico e mandatos alternados. A taxa de juros há de continuar caindo, com espelhamento no juro real e na redução do spread. Isso vai ser o oxigênio necessário para os setores produtivos voltarem a confiar e a alcançar melhores resultados.
Mas não é só isso. As reformas, para recolocar o país de pé e promover o crescimento, precisam ir mais a fundo. Não podem ser esquecidas as reformas política e tributária, ambas estruturantes e fundamentais para o futuro do país. Só que a tributária não é nem de perto a proposta do governo, que mexe apenas no PIS e no COFINS. O Brasil tem de encontrar um sistema que seja parceiro da livre iniciativa, e não adversário dela. Um modelo inclusivo, que amplie a base de cobrança e diminua a sonegação.
Se quisermos alcançar taxas de crescimento num patamar próximo dos 5% ao ano, de forma contínua e consistente, precisamos ainda recuperar nossa indústria e investir mais no ensino fundamental e no profissionalizante. A nação precisa optar pelo desenvolvimento, dando vazão ao imenso potencial que possui. Dar força aos setores produtivos, ao conhecimento, à pesquisa e à tecnologia. Voltar o aparato estatal para a sociedade, e não tanto para dentro – o que implicará, necessariamente, queda dos gastos.
Enfim, há um sem-número de medidas de transformação que precisam ser adotadas. Elas são complexas e difusas, têm pequena e grande profundidade, de curto, médio e longo prazo, agem conjuntural e estruturalmente, em todas as direções. Mas o certo é que não podemos reagir com perfumarias diante da complexidade e do tamanho da crise atual, com alto índice de desemprego e baixo crescimento. A hora da virada vai chegar, e nós precisamos estar preparados para ela.
Ex-governador do Rio Grande Sul, presidente do Instituto Reformar de Estudos Políticos e Tributários e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (www.germanorigotto.com.br)
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