O orçamento público é um só. As demandas são maiores do que as possibilidades. Sobre esse espaço entre o dinheiro que existe e as necessidades sociais, acontece uma parte importante do debate público. Onde gastar mais e por primeiro? Pois governar é isto: fazer opções. Trata-se de escolher o que é prioritário e urgente. Mas, ao contrário do que possa parecer, essa decisão não é uma simples dicotomia entre o certo e o errado. A realidade mostra que o dilema reside em escolher uma dentre duas, três, quatro ou infinitas necessidades.
No contexto desse permanente e saudável debate, há áreas sobre as quais existe praticamente um consenso na sociedade. E atualmente, segundo a grande maioria das pesquisas de opinião e o sentimento perceptível nas ruas, a mais prioritária delas é a segurança pública. Se os brasileiros pudessem optar o destino dos investimentos, perto da unanimidade escolheria essa área como primeira opção. Não preciso falar do medo que impera de norte a sul do país. Tampouco convém relatar o crescimento dos índices de criminalidade. A insegurança é a situação que mais fere o sentimento de brasilidade da nação, independente da classe social.
Todavia, os orçamentos não reproduzem essa prioridade social. E isso não é de hoje. A Constituição Federal não previu a mesma reserva que estabeleceu para outras áreas. E o papel do Estado foi se perdendo num emaranhado de funções, algumas das quais que sequer lhe competem. E deixou em um plano secundário, se muito, a área da segurança pública. Portanto, em termos de dinheiro investido, há uma grande dissonância entre o que é mais importante para o país e o que os erários despendem para tal finalidade. Isso vale para União, estados e municípios. Não há um culpado em específico por esse desvio de rota, senão que, no fundo, a falta de uma discussão política mais profunda e racional sobre o que realmente importa.
Mas segurança não é apenas uma questão de dinheiro. É também de prevenção, legislação, gestão e políticas públicas. E estamos mal em todas essas dinâmicas. Sobre dinheiro, já me referi acima. Sobre políticas públicas e gestão, ocorreu que, tendo em vista que a segurança ostensiva e de investigação pertence majoritariamente aos estados, o Governo Federal se distanciou demasiadamente da área. E isso é completamente descabido e irresponsável. Veja-se, por exemplo, que o Brasil não possui uma política penitenciária forte. Os presídios estão abarrotados; são verdadeiras fábricas do crime. E a União adotou uma prática de falar do tema em tese, como se não dissesse respeito a ela. Os estados e municípios não conseguirão por suas próprias forças financeiras, em hipótese alguma, dar resposta adequada a essa chaga social.
Em outro aspecto dentro da gestão, é visível a defasagem dos nossos sistemas de defesa diante das possibilidades da tecnologia. Diferente de diversos lugares do mundo, aqui ainda não incorporamos adequadamente os avanços da era da informática no combate ao crime. Desde os equipamentos e as viaturas até os softwares de localização, banco de dados, digitalização de informação, tudo está muito atrás das possibilidades disponíveis. Não conseguimos sequer bloquear o uso de celulares em presídios. A revista íntima, humilhante, ainda é usada em muitas penitenciárias. É preciso fazer uma grande atualização de todo a infraestrutura de segurança pública do país, a começar pela troca de dados entre os diversos sistemas e arquivos, que ainda são pouco colaborativos entre si.
Sobre a legislação penal, os consensos já não são tão fáceis – a começar pela grande divisão entre garantistas e legalistas. Mas o Congresso Nacional precisa deparar-se novamente sobre os tipos penais e processuais mais polêmicos, incluindo a execução penal. Precisamos rever, para confirmar ou mudar, por exemplo, se o país vai continuar permitindo o atual regime de progressão do cumprimento de pena. E o semiaberto continuará sendo um parâmetro tão usual? E o encarceramento, por sua vez, seguirá sendo o tipo de pena mais convencional, mesmo para crimes em que o réu tem chance de reinserir-se socialmente? São respostas que precisam surgir de uma densa reforma de toda a normatização criminal. Não necessariamente para deixar tudo mais severo ou mais brando, mas para que a nação atualize seu posicionamento a respeito.
Por fim, e não menos importante, o Brasil segue insuficiente na dinâmica da prevenção. Isso é um trabalho mais difuso e transversal. Depende da educação, da cultura, das condições socioeconômicas, do ambiente familiar, da sensação de punição ou de impunidade. Justamente por isso, é o melhor e verdadeiro caminho para vencer o crime. E é ali, no surgimento de um vulnerável, que o Estado precisa estar presente – desde a primeira infância, bandeira que sempre carreguei. A grande batalha da civilidade contra o crime começa nos primeiros dias de vida. E qualquer a resposta para a insegurança precisa ter em conta esse processo.
Todos querem segurança. Essa escolha está acima de matriz ideológica, condição social, posicionamento político ou outro interesse. E é nessa área que o Estado se faz mais sentir, seja pela presença, seja pela ausência. O senso de urgência do setor público precisa reconectar-se com o da sociedade. Não há mais tempo para esperar. O pacífico povo brasileiro não pode mais viver com tanto medo, enjaulado pelo crime e pelos criminosos. É difícil melhorar esse quadro, sem dúvida, mas não impossível. O bem precisa impor-se sobre o mal. A população merece viver em paz.
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