Vamos olhar para o que aconteceu no Brasil, em termos de processos sociais e institucionais, nos últimos anos. As manifestações de rua, a partir de 2013, flagraram um enorme hiato entre a opinião pública e as suas representações de poder, em suas diferentes nuances. Por mais que os protestos fossem contra os governos do PT, havia também ali uma mensagem clara de insatisfação geral. A Operação Lava-Jato, que semanalmente apresenta novos episódios, mostra um enorme descompasso entre as regras do sistema eleitoral, a realidade da política e os anseios da sociedade.
A proximidade espúria de interesses privados aos públicos, somada ao aparelhamento da máquina estatal, acabou por mergulhar o país em uma grande generalização. O modelo que temos confunde honestos e desonestos, probos e ímprobos, éticos e antiéticos. A “casa” da credibilidade institucional caiu por terra. Isso é um grande perigo, pois pode fazer o país mergulhar em aventuras políticas. Mas também é uma oportunidade para alterar profundamente as regras que comandam o ordenamento democrático da nação.
Estamos falando da Constituição Federal. Nossa Carta de 1988 não responde mais ao que precisamos nos dias atuais. O momento de sua concepção foi outro, as motivações também se alteraram. O país precisava dar uma sinalização de abertura e ampliação dos direitos sociais, papel que foi medianamente cumprido. Agora, todavia, considerando que a democracia está posta e a estabilidade econômica é um valor que não pode ser negociado, precisamos preparar nossa lei maior para construir o país das futuras gerações: sustentável, moderno, desenvolvido, inclusivo, com maior interação entre a sociedade e as estruturas de poder.
Há quase um consenso sobre as constatações e os anseios que revelei acima. Mas tudo tranca em uma questão de ordem prático-política: como fazer as mudanças se tantos interesses confluem em sentido contrário? Como produzir transformações se as decisões serão tomadas por quem é beneficiário delas? Que estratégia é capaz de fazer com que as reformas aconteçam?
De fato, esse é um grande desafio. Mas há uma instituição jurídica que se encaixa perfeitamente para tal dilema: a Assembleia Constituinte Revisora Exclusiva, que pode ser convocada ainda este ano ou em paralelo ao próximo pleito. Traduzindo: trata-se de realizar, por meio de uma eleição, a escolha de um grupo de constituintes com a finalidade específica de reformar a Constituição Federal em pontos predeterminados.
O Congresso escolhido para a reforma constitucional teria mandato de apenas um ano, ficando seus membros impedidos de participar da eleição normal concomitante e da próxima. O ato convocatório define e delimita com precisão as áreas e o grau de alcance das mudanças. O sentido é fazer com que participem nomes dissociados de interesses partidários ou corporativos, isto é, pessoas mais voltadas às grandes questões da nação, com conhecimento amplo e devidamente interessadas em contribuir com a reforma.
Não é de hoje que tenho defendido a tese da convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva para revisar a Constituição Federal de 1988. Reitero essa convicção diante dos últimos episódios. A fórmula é mais simples do que possa parecer. Entendo que temas como o pacto federativo, o sistema tributário e o sistema político deveriam entrar em apreciação. Essa seria uma agenda mínima.
A iniciativa tiraria o país da animosidade entre governo e oposição, desviando o foco para algo efetivamente produtivo. E obrigaria os atuais mandatários a focarem suas atuações em um novo modelo de abordagem. O esgotamento político seria substituído por uma nova pauta, de ordem prática, sem prejuízo às disputas que fazem parte do cotidiano democrático. O Congresso, como se mostrou, agiria em paralelo à Assembleia revisora.
A tarefa não pode mais ser adiada. É necessário fazer as bases para um país com instituições menos encasteladas, com eleitos mais próximos dos eleitores, com um Estado menos intrometido no mercado e mais voltado às áreas essenciais e ao seu papel regulador e fiscalizador. O conformismo não pode derrotar o anseio por mudanças. O que o povo pede nas ruas precisa ser maior do que toda a força reacionária que nada quer mudar, disposta simplesmente a proteger seu status quo.
Já temos o diagnóstico, mesmo com alguns dissensos pontuais. O que nos falta é saber como tratar nossas grandes mazelas. As medidas meramente conjunturais e circunstanciais não serão suficientes para tirar o país da crise. Defendo mudanças estruturais, profundas, voltadas a construir um novo futuro. A Constituinte revisora exclusiva pode ser a resposta contundente e consistente para a insatisfação popular generalizada. Reformar é preciso.
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