A montagem, sucesso de público e crítica, se destaca na cena teatral brasileira
Porto Alegre será a primeira cidade da turnê brasileira a assistir, depois de duas temporadas de sucesso no Rio de Janeiro, o espetáculo Lady Tempestade, monólogo com Andrea Beltrão, escrito por Silvia Gomez. A peça, dirigida por Yara de Novaes, é produzida pela Quintal Produções (da gaúcha Valencia Losada e da mineira Verônica Prates), e mergulha no diário da advogada pernambucana Mércia Albuquerque (1934-2003) para refletir sobre violências e injustiças no presente e no futuro, através de relatos sobre sua atuação em defesa de presos/as políticos/as do Nordeste, principalmente entre 1973 e 1974, um dos períodos mais pesados da ditadura brasileira.
A temporada na capital gaúcha acontece de 1º a 4 de maio, com sessões na quinta, sexta e sábado, às 20h, e, no domingo, às 18h. As apresentações compõem a programação de inauguração do Teatro Simões Lopes Neto, no Multipalco Eva Sopher. A agenda comemorativa tem realização da Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) por meio da Fundação Theatro São Pedro e da Associação Amigos do Theatro São Pedro, com patrocínio do Banrisul.
“Estive muitas vezes em Porto Alegre, quase todas no Theatro São Pedro, essa joia lapidada pelas mãos incansáveis de dona Eva, mulher incrível que — além de entregar o São Pedro totalmente reconstruído para os gaúchos, ainda foi além ao sonhar o Multipalco. Parabéns a todos, especialmente aos porto-alegrenses, por mais uma obra importante de Dona Eva que agora se realiza com a abertura do Teatro Simões Lopes Neto”, celebra Andrea.
A montagem desembarca na cidade com três indicações ao Prêmio Shell (atriz, direção e dramaturgia) e seis indicações ao Prêmio APTR (atriz protagonista, direção, dramaturgia, espetáculo, produção e jovem talento). Os ingressos custam estão à venda no site www.theatrosaopedro.rs.gov.br ou nos dias das apresentações, conforme disponibilidade, duas horas antes do início das sessões, na bilheteria do Multipalco (entrada pela Rua Riachuelo, 1089, ao lado do estacionamento).
Na trama, Andrea Beltrão interpreta A., mulher que recebe os diários de Mércia e fica impactada com o testemunho pela busca de justiça — ou, ao menos, o paradeiro de desaparecidos, a partir das súplicas de mães desesperadas — e com a narrativa repleta de violência e coragem.
Numa espécie de “diário dentro do diário”, A. encara o dilema de se envolver com aquela história, mas acaba mergulhando nela. Aos poucos, vai revelando uma personagem feminina importante, que começa a ser reconhecida a partir da publicação de suas memórias em livro, em 2023.
“Mércia dizia que era uma contadora de histórias de pessoas que reconstruíram a liberdade. Eu sou uma contadora de histórias. Eu acredito que contar histórias é uma maneira amorosa de pensarmos juntos no nosso passado, nosso presente e nosso futuro. Contar histórias amorosamente, para nunca esquecer. Para tentarmos responder às perguntas que nos fazemos aqui e agora”, explica Andrea.
A opção de levar essa história aos palcos veio, por coincidência, após seu monólogo Antígona, montagem sobre o clássico de Sófocles em que a protagonista enfrenta a ordem do rei Creonte para deixar seu irmão, que lutou na guerra, insepulto. Andrea levou o prêmio APCA de melhor atriz pela peça, que se desdobrou também em livro e no filme Antígona 442 a.C. Agora, retoma o tema da luta por justiça, e pelo sepultamento digno de entes queridos, em Lady Tempestade.
Ao fazer paralelos com o tempo presente — com direito a um desabafo verídico, em áudio, de uma mãe que teve o filho assassinado pela polícia em 2022 —, A. envolve a plateia numa questão angustiante, mas provocadora: se não dá para “desver”, o que podemos fazer com isso?
Com a dúvida se transformando em parte do enredo, foi natural para Silvia Gomez adotar uma ideia dada por Yara: narrar a história como se fosse o diário de A. lendo o diário de Mércia. “A personagem da Andrea diz: queria fingir que não tinha recebido aquilo, mas não era mais possível. Eram coisas semi-desaparecidas e não são mais. Então, para que futuro vamos após ouvir as palavras de Mércia?”, indaga a autora.
Não à toa, uma frase é repetida algumas vezes no texto, após a leitura de trechos dramáticos do diário de Mércia: “Essas coisas acontecem, aconteceram, acontecerão”. Silvia desenvolve: “Alguém do presente, como nós, recebe uma convocação do passado. De repente, na escrita, o tempo verbal tornou-se arisco: às vezes no passado, às vezes no presente, às vezes no futuro. Como se a forma pedida pela obra nos lembrasse que o Brasil é reincidente no esquecimento de sua história, tantas vezes parecida com uma cena em looping de terror”.
E o texto de Lady Tempestade, aclamada dramaturgia de Silvia Gomez, está sendo publicado em livro pela Editora Cobogó. Além do texto integral da peça, a edição inclui uma apresentação da autora e textos de Yara de Novaes, Andrea Beltrão e Samarone Lima, jornalista e autor do livro Zé – José Carlos Novais Da Mata Machado. Uma Reportagem, para o qual pesquisou os documentos de Mércia Albuquerque e a entrevistou.
60 anos do golpe civil-militar
Yara e Andrea buscavam um texto para trabalharem juntas, sem tema pré-definido. A diretora de Lady Tempestade tinha participado como atriz, há pouco tempo, do elenco de Zé, filme de Rafael Conde sobre o militante mineiro José Carlos Novaes da Mata Machado, assassinado no DOI-CODI do Recife em 1973. Ali, soube da existência de Mércia, porque foi a advogada que conseguiu localizar o corpo da vítima, promover a exumação e a transferência para Belo Horizonte.
Ao pesquisar sobre a história de Mércia, Yara chegou a Roberto Monte, que dirige o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular, no Rio Grande do Norte. Foi a ele que Octávio, marido da advogada, confiou os arquivos após a morte dela, em 2003. Além dos diários, há cartas e processos no acervo. Citado na peça como R., a pessoa que envia a encomenda para A., na vida real Monte de fato mandou os escritos da pernambucana para Yara e Andrea antes mesmo de publicá-los, em meados de 2023, no livro Diários de Mércia Albuquerque: 1973-1974 (editora Potiguariana).
“Foi um susto”, conta Yara, ao lembrar da reação ao receber e ler o diário. Em seguida, elas tiveram acesso também a uma entrevista em áudio de Mércia para Samarone Lima, autor da reportagem biográfica Zé: José Carlos Novaes da Mata Machado, que inspirou o filme de Rafael Conde.
Diário e entrevista alimentam a narrativa. Não faltam histórias impressionantes. Mércia foi presa 12 vezes — em uma delas, estava sozinha em casa com seu bebê, e mandou uma mensagem em uma garrafa, presa numa cordinha, para a vizinha de baixo, pedindo para ela cuidar da criança enquanto ela não fosse liberada pelos “gafanhotos” (uma das alcunhas que usava para chamar os militares).
A “virada da heroína” acontece, nas palavras de Silvia Gomez, quando Mércia vê o militante Gregório Bezerra ser torturado no meio da rua, em 1964. Recém-formada em Direito, ela chegou em casa e comunicou ao marido que iria defender aquele homem e quem mais precisasse. Mesmo tendo defendido mais de 500 pessoas e ser considerada a maior advogada nordestina de presos políticos durante a ditadura militar, Mércia ainda é pouco lembrada. “Isso chama a atenção pois, de modo geral, tantos homens são reverenciados com nome e sobrenome por seus feitos heroicos”, observa Silvia. “O sistema trabalha muito bem para certos nomes serem apagados.”
A partir dessa ideia de uma atuação heroica, a seu modo, e de uma frase de Mércia em que ela se compara à mãe — “minha mãe é bonança, eu não, sou tempestade” —, surgiu o apelido que deu nome ao espetáculo. “As pessoas que entrevistamos disseram que ela tinha um olhar muito forte, olhar de relâmpago”, conta Silvia, que escreveu o texto também inspirada por conversas com mulheres como a jornalista e prima de Mércia, Eliane Aquino, a juíza Andrea Pachá e a escritora e ensaísta Helena Vieira e por canções de artistas como Ceumar, Linn da Quebrada, Beyoncé, Kae Tempest. “Usar o nome Lady Tempestade foi uma maneira de trazer Mércia para o presente pois é aqui que ela nos confronta com o futuro.”
Sobre a atriz
Andrea Beltrão é atriz e produtora. Sua carreira profissional começou nos anos 1980, em produções de teatro, cinema e TV. Após participações pontuais em novelas, sua primeira personagem fixa neste tipo de produção foi em Corpo a corpo, em 1984, e no ano seguinte ganhou popularidade vivendo a Zelda, da série Armação ilimitada. Fez ainda as novelas Rainha da sucata (1990), Pedro sobre Pedra (1992), Mulheres de areia (1993), A viagem (1994), Um Lugar ao Sol (2021), entre outras. Por sete anos participou da série A Grande Família e, por quatro, protagonizou Tapas & Beijos, ao lado de Fernanda Torres. Participou de diversas produções no cinema, como os longas Pequeno Dicionário Amoroso 1 e 2 (1996/2015), A Partilha (2001) e Sob Pressão (2016). Mais recentemente viveu Hebe Camargo no filme Hebe: A Estrela do Brasil (2019), e está nos longas Eu e Ela (2022) e Avenida Beira Mar (2024). Ao lado de Marieta Severo, é sócia do Teatro Poeira, no Rio de Janeiro, onde encenou, antes de Lady Tempestade, a premiada peça Antígona (2017) e O espectador (2022). Em 2024, esteve no elenco de No rancho fundo, novela das 18h da TV Globo, pela qual recebeu o prêmio Melhores do Ano, na categoria Melhor Atriz.
Sobre a diretora
Yara de Novaes é atriz, diretora e professora de teatro. Recebeu vários prêmios por suas atuações e direções, entre eles, APCA, Prêmio Shell, Questão de Crítica, APTR, Aplauso Brasil e Fundacen. Em 2005, formou o grupo 3 de Teatro com Débora Falabella e Gabriel Paiva. Dirigiu diversos espetáculos, como Tio Vania, de Anton Tchécov (com o Grupo Galpão); Caminho para Meca, de Athol Fugard (com Cleyde Yaconis); além de A serpente, de Nelson Rodrigues; A Ira de Narciso, de Sérgio Branco; O Capote, de Nicolai Gógol; e, mais recentemente, Prima Facie, de Suzie Miller, com Débora Falabella; Mãos Trêmulas, de Victor Nóvoa; e Teoria King Kong, de Virginie Despentes. Como atriz está em cartaz no longa Malu, de Pedro Freire, onde interpreta a protagonista, e recentemente dividiu o palco com Débora Falabella no espetáculo Neste mundo louco, nesta noite brilhante, de Silvia Gomez.
Sobre a dramaturga
Silvia Gomez é jornalista, dramaturga e roteirista, autora das peças teatrais Mantenha fora do alcance do bebê (prêmios APCA e Aplauso Brasil de dramaturgia, em 2015), Neste mundo louco, nesta noite brilhante (indicação ao Prêmio Shell, em 2019) e A Árvore (Editora Cobogó), entre outras. Suas peças foram traduzidas para o alemão, espanhol, francês, inglês, italiano, mandarim e sueco, tendo sido encenadas e lidas em países como Argentina, Bolívia, Colômbia, Escócia, Espanha, Inglaterra, México e Portugal. Desde 2017, dá aulas de dramaturgia e é atualmente mestranda em Artes Cênicas pela USP.
SERVIÇO
Espetáculo Lady Tempestade
Dias 1º, 2, 3 e 4 de maio
Quinta, sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 18h
Teatro Simões Lopes Neto, no Multipalco Eva Sopher (entrada pela Rua Riachuelo, 1089, ao lado do estacionamento)
Ficha técnica
Lady Tempestade
Com Andrea Beltrão
Direção: Yara de Novaes
Dramaturgia: Silvia Gomez
Cenografia: Dina Salem Levy
Desenho de luz: Sarah Salgado e Ricardo Vívian
Figurinos: Marie Salles
Criação e operação de trilha sonora: Chico Beltrão
Desenho de som: Arthur Ferreira
Assistente de direção: Murillo Basso
Assistente de cenografia: Alice Cruz
Identidade visual: Fábio Arruda e Rodrigo Bleque | Cubículos
Fotografia: Nana Moraes
Produção: Quintal Produções | Verônica Prates e Valencia Losada
Ingressos
Galeria: R$ 80,00 inteira e R$ 40,00 meia-entrada
Balcões superiores: R$ 80,00 inteira e R$ 40,00 meia-entrada
Balcões inferiores: R$ 150,00 inteira e R$ 75,00 meia-entrada
Plateia alta: R$ 200,00 inteira e R$ 100,00 meia-entrada
Plateia baixa: R$ 200,00 inteira e R$ 100,00 meia-entrada
Cadeira extra: R$ 200,00 inteira e R$ 100,00 meia-entrada
Pontos de venda
Online: www.theatrosaopedro.rs.gov.br
Bilheteria do Multipalco Eva Sopher: somente nos dias de espetáculo, a partir de duas horas antes do início das apresentações