“Não é só nutrir, é acolher”, diz chef de cozinha sobre profissão
Há mais de 20 anos graduada em Gastronomia e há oito lecionando na UniRitter, Etiene Johanssen pode descrever claramente as mudanças que a profissão e sua formação passaram nos últimos tempos. Filha de cozinheira, a professora cresceu em meio a cozinhas chefiadas por homens. “Há 30 anos atrás, existiam diversas barreiras para se tornar chef: falta de cursos de formação no Brasil, o estigma de que cozinhar é um hobby e até o preconceito de gênero. Diziam que mulheres não tinham força para manejar os panelões de uma cozinha profissional”, relata Etiene.
Celebrado em 13 de maio, o Dia Nacional do Chef de Cozinha homenageia esse profissional que faz muito mais do que cozinhar. Ele gerencia as atividades dentro de uma cozinha, desde a compra dos ingredientes até a supervisão da equipe, passando pela elaboração do cardápio e das fichas técnicas e a verificação das boas práticas de higiene e segurança. “Este é um momento de colocar a profissão em evidência. A Gastronomia está crescendo e é preciso desmistificar alguns estereótipos, como do chef que escracha os subordinados, e usar a data para saudar os profissionais dedicados e empáticos. Comida é afeto”, pontua o chef Moises Basso, embaixador do curso de Gastronomia da UniRitter.
“A Gastronomia não é apenas sobre cozinhar, o saber fazer, mas sobre saber como e por que fazer, é um saber científico”, defende Etiene. Ela começou atuando como auxiliar em cozinhas: “lavando panelas e cortando cebola mesmo”, descreve. Quando decidiu buscar formação como chef, só havia o curso em São Paulo e ela já era mãe de um bebê. Etiene foi a primeira de sua família a cursar uma faculdade, mas precisou aguardar que o tão desejado curso chegasse ao Rio Grande do Sul, na década de 1990. Depois não parou mais de se especializar, com cursos MBA e mestrado, na França e em Portugal, agregando conhecimentos sobre segurança alimentar, hospitalidade, sustentabilidade e comida identitária.
“O bom chef busca valorizar os ingredientes locais. Hoje, a elite da alta gastronomia fala sobre isso, mas não era comum há 20 anos. Eu defendo muito a cozinha identitária, aquela comida que minha mãe fazia. Não é só nutrir, é acolher”, diz a professora. “Temos que parar de idolatrar a culinária estrangeira, e conhecer nosso baião-de-dois, por exemplo. Eu defendo muito nosso aipim, nossa cana, nossa galinha caipira”, dispara. Etiene percebe que essa realidade vem mudando, refletindo o sucesso dos realities-shows de culinária. Mas Basso ressalta a importância de não reproduzir certos comportamentos nocivos vistos em alguns programas: “Os alunos podem normalizar aquilo e acabar reproduzindo na carreira. Mas esta é uma visão ultrapassada do chef, que cada vez mais demonstra um olhar carinhoso e sabe respeitar tanto os ingredientes quanto as pessoas”.
Etiene reflete que a popularização dos chefs na televisão trouxe ganhos para as instituições acadêmicas, na medida em que jovens que antes não veriam a Gastronomia como uma opção de carreira, já escolhem o curso como primeira formação. “E já chegam conhecendo técnicas e nomenclaturas. Um aluno se emocionou ao fazer pato no tucupi, pois via na TV, ouvia falar sobre a acidez do molho, mas não tinha a oportunidade de experimentar”, conta a professora. Ela percebe uma mudança de perfil nas turmas: “Tínhamos muita gente em segunda graduação. Advogados, engenheiros, que buscaram uma profissão estável, às vezes por pressão familiar, mas amavam cozinhar, sonhavam abrir um restaurante”, avalia.
Embora tenha graduação específica e com uma formação rápida – o curso tecnólogo da UniRitter tem duração de dois anos -, Etiene adverte que a carreira não é fácil. “O mercado de trabalho é maravilhoso, sim. Há muitos restaurantes, e quem não quer um chef de cozinha com uma formação na área, conhecimentos acadêmicos, capaz de montar uma ficha técnica e evitar desperdício? Mas é um trabalho pesado e, infelizmente, a profissão ainda não conta com regulamentação”, aponta.
Atualmente, há projetos tramitando no Congresso. “A regulamentação vai assegurar uma base salarial e benefícios garantidos a qualquer trabalhador. Ainda precisamos desse olhar para a importância da profissão”, conclui Basso. Ele acredita que, após a formação específica e a valorização dos profissionais no mercado, esta deve ser a próxima luta para os chefs de cozinha.
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