É exaustivo. O tal “exercício” da cidadania, no Brasil, é de pôr os bofes para fora. O brasileiro é um cidadão em luta contra as instituições. Precisamos defender-nos delas, precisamos enfrentá-las, somos compelidos a fazê-lo como forma de autopreservação e isso cansa mais do que “puxar ferro” numa academia. Os poderes de Estado, que constituímos e regiamente remuneramos, na esperança pueril de que viessem a zelar pelo interesse geral enquanto cuidássemos de nossas vidas e amores, se converteram em nossos não dissimulados adversários. Cuidam de si mesmos a nosso despeito e à nossa custa.
A Constituição cidadã, sabe-se hoje, abriu um leque de oportunidades de negócios com os recursos públicos e fechou em torno delas um círculo de ferro de proteções recíprocas. Levamos 30 anos para entender a fria em que havíamos entrado. Primeiro, pressentimos; depois intuímos; e, agora, empírica e dolorosamente, constatamos o quanto o Estado brasileiro protegeu-se de seus cidadãos. Às vezes me dá vontade de sentar e ficar apenas observando o repertório de pulos desses gatos. São verdadeiros artistas nos seus ramos de atividade.
Já no ano passado, aquela parte da sociedade que não corteja bandidos decidiu que precisaria de um Congresso quase inteiramente renovado. Só assim, talvez – talvez! – pudessem ser desmontadas as armadilhas institucionais, bem como a arquitetura juspolítica de fossos, muralhas, escarpas e contraescarpas, que protegem as cidadelas do poder. Um legislativo que, em quatro anos, nada fez nessa indispensável direção, e que, ao contrário, sempre cuidou de sua própria cidadela, nada faria para mudar substancialmente as regras do jogo. O Brasil precisa mudar. Renovação já, portanto!
Eis que diante desse óbvio sentimento nacional, o sistema reage – escândalo! – com novas trancas e ferrolhos para garantir a renovação dos atuais mandatos. Os partidos políticos adotam estratégias para impedir que se cumpra o inequívoco e indispensável anseio dos eleitores. Não lembro de já haver visto algo assim. Tanto se empenharam pelo “virtuoso” financiamento público e contra o “vicioso” financiamento privado das campanhas! Resultado: os partidos dispõem, agora, de dinheiro dos nossos impostos para distribuírem, prioritariamente, aos atuais parlamentares, não por acaso as pessoas mais influentes dentro deles. As nominatas de candidatos serão formadas pelos próprios e mais uns poucos, bem poucos, para dificultar o ingresso de novos no círculo de ferro do poder e na distribuição da grana. Logo estaremos vendo isso tudo acontecer. Digam-me se não dá uma canseira.
Diante disso, ponho-me a pensar na recente experiência francesa. Esclareço: estou apenas pensando. O eleitorado gaulês escolheu um candidato (Emmanuel Macron) e seu partido (La République en Marche), conferindo-lhes vitória consagradora e uma base política amplamente majoritária. Não poderíamos reproduzir algo parecido por aqui, com as limitações, claro, do nosso sistema proporcional? Centrarmos a renovação em candidato e em poucos partidos?
Não sei. Mas sei que precisamos interromper o curso dessa bandalheira que pretende usar nosso dinheiro para forçar a reeleição de parlamentares que não queremos ver reeleitos e preservar essas desavergonhadas estruturas de poder.
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