Guerra fiscal: pelo fim de uma disputa sem sentido | Por Germano Rigotto

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A guerra fiscal é uma contradição em si mesma. Ora, existir uma disputa de ordem fiscal, no ambiente interno de uma federação, entre alguns de seus membros, é uma clara discrepância. O conjunto dá sentido a uma nação federada; não poderiam as atitudes individuais, pois, sobreporem-se ao interesse coletivo. Trata-se de um jogo de perde e perde. A aparente vitória imediata de uma empresa ou de um estado em relação a outro se dissolve no médio e curto prazos, redundando em prejuízo e desigualdade para o país.

Esse é um aspecto latente, que flagra muito mais do que uma disputa entre coirmãos. Além de diluir os efeitos em termos de nação, a guerra fiscal não tem sido capaz de gerar desenvolvimento em regiões menos favorecidas – que era um de seus intuitos. O resultado se mostra até mesmo em sentido contrário. Quando estados mais fortes, como São Paulo, entraram na disputa, as diferenças aumentaram ainda mais. Com maior capacidade logística, acesso a bens de consumo e adensamento tecnológico, os grandes centros passaram a concentrar ainda mais os parques empresariais.

É por tudo isso que venho defendendo, durante toda a minha trajetória pública, o fim da guerra fiscal. Ao lado de uma reforma tributária, que racionalize e simplifique o sistema de impostos do Brasil, precisamos impor regras a essa competitividade destrutiva entre estados, de forma a, pelo menos, colocar um freio em tamanho engodo.

Todavia, se a guerra fiscal existe, é legítimo e até necessário que os estados dela participem. Eu mesmo pratiquei esse postulado. E aí passo a referir-me a uma contradição apenas aparente. Ora, o atual sistema permite que a competição entre estados ocorra sem regras estabelecidas, por exemplo, sobre impostos como o ICMS. Então, se um estado tenta atrair uma empresa ou até mesmo tirar uma planta empresarial de outro, é imperativo que o gestor faça o possível para defender os interesses do seu território. Ou seja: entrar na competição e tentar levar o investimento para um município de sua unidade federada.

O problema, portanto, não é o gestor participar da guerra fiscal; o problema é a legislação permitir que a guerra fiscal exista.

Quando fui governador, vivi esse dilema na própria pele. Cheguei ao governo do Rio Grande do Sul depois de adquirir uma bagagem parlamentar em defesa da reforma tributária, nela incluída o fim da guerra fiscal. Mas, como chefe do Executivo, não tive alternativa senão buscar empresas para promover o desenvolvimento – no que, a propósito, fomos bem-sucedidos. Atraímos muitos investimentos durante o nosso período de governo. Claro que não usamos apenas o mecanismo tributário, mas ele foi fundamental. Posto que a guerra existia, entramos nela para ganhar. E era legítimo que assim se fizesse – em nome do interesse público do Estado. Não há incoerência alguma nisso.

A propósito, defendo que o Ministério Público, o Tribunal de Contas e a Assembleia Legislativa façam um levantamento completo de todos os incentivos concedidos ao longo dos anos pelos governos gaúchos. É preciso lançar luzes sobre esses fatos diante de suspeitas que começaram a surgir, nacionalmente, sobre o benefício irregular a empresas. Necessário haver total investigação.

Durante o nosso mandato, as desonerações foram dadas com total transparência, sem qualquer favorecimento indevido. O Fundopem, principal instrumento para conceder incentivos no Rio Grande do Sul, tem um conselho que decide tecnicamente sobre as concessões, sob a validação da Procuradoria-Geral do Estado e da Secretaria da Fazenda. O órgão é formado tanto por entidades de trabalhadores quanto de empregadores, jamais cabendo a decisão unilateralmente ao governador.

Mas, além de investigar o passado, é preciso terminar com a possibilidade da guerra fiscal no futuro. Ou, como disse, no mínimo colocar um freio em sua existência. Para isso, reitero a necessidade de uma legislação nacional única para o ICMS, com poucas alíquotas. Mas a principal mudança deve ser a cobrança do imposto, migrando da origem para o destino, isto é, do estado que produz para o que consome. Nesse quesito está o maior segredo para enfrentar a disputa fiscal entre entes de uma mesma federação.

Enquanto isso permanecer inalterado, não é legítimo exigir que governadores não disputem investimentos por meio de incentivos fiscais. Ninguém aceitaria abrir mão de empregos. Todavia, dentro de um novo sistema, em que haja freios para essa prática, o equilíbrio se reestabelece e a competição passa a ocorrer por questões estratégicas – e não mais exploratórias. A guerra fiscal passou do limite, e o Brasil é quem perde com ela. É preciso por fim a essa disputa sem sentido.

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